A preparação física feita em paralelo ao treino técnico/ tático, vem sendo usada de forma complementar em várias modalidades esportivas, visando o alto rendimento (melhora da performance) e a profilaxia contra eventuais danos músculo-esqueléticos que possam vir a ser causados pelas várias competições dentro de um calendário esportivo, ou pelos fortes treinos visando estas competições.
Dentro dos esportes de luta, porém, este assunto é vítima de vários preconceitos. Pessoas mal informadas vem adotando métodos antigos e sem nenhuma comprovação científica, baseados no preceito de que se funcionou para alguém, deve funcionar para todos. Vamos então expor aqui algumas considerações sobre o tema, respaldados pela literatura e por pesquisas recentes.
Princípios do treinamento desportivo
Dentro da literatura, existem diversas variações sobre quais são os princípios do treinamento desportivo; porém cinco deles são praticamente senso comum entre vários autores existentes. São eles:
- Princípio da adaptação
- Princípio da sobrecarga
- Princípio da individualidade biológica
- Princípio da interdependência volume/ intensidade e,
- Princípio da especificidade
Cada um tem suas características próprias, as quais não sofrem alteração quando se fala em um esporte de luta (como o jiu- jitsu ou o karatê), ou em um esporte coletivo (como o vôlei ou o handball).
O que deve ser sempre lembrado, é a correta aplicação do último princípio que citamos: o princípio da especificidade. Uma boa definição para especificidade é a aplicação do treinamento o mais perto possível da situação real de competição. Com este conceito em mente, podemos pensar que teremos uma adaptação específica para os esportes de luta, uma sobrecarga específica para os esportes de luta, uma interdependência volume-intensidade específica para os esportes de luta, e que ainda deve-se levar em consideração a individualidade biológica do atleta em questão, além da especificidade da categoria de peso em que o atleta se encontra, ou quer estar para a competição. Só assim é possível fazer um planejamento sério e eficaz.
Via energética
Os esportes de luta são divididos em sua maioria em categorias de peso, e em algumas lutas ou “rounds”, os quais variam de dois a dez minutos de duração, em média, onde o atleta deve acumular pontos no decorrer do combate ou encerrar a luta antes do tempo estabelecido por nocaute, finalização ou desistência do adversário.
Agora pensemos um pouco:
O atleta em questão deverá fazer uma ou mais lutas que terminam com poucos minutos de duração onde, porém a intensidade que este indivíduo aplicará ao desferir seus ataques e/ou defesas será muito alta; ou seja, uma atividade muscular próximo da máxima em um período de tempo relativamente curto.
Os fosfatos de alta energia neste caso devem ser ressintetizados de forma rápida, permitindo que o atleta dê continuidade ao combate. Neste caso após a depleção de ATP (adenosina trifosfato) e de CP (creatina fosfato), a energia para fosforilar ADP (adenosina difosfato) provém principalmente da glicose e do glicogênio armazenado, através do processo anaeróbio da glicólise e da glicogenólise, com subseqüente formação de lactado (MACARDLE 1991).
Vemos assim que os esportes de luta são em sua maioria predominantemente anaeróbios láticos, logo a preparação física para estes esportes deve levar em consideração este tipo de adaptação. A má tolerância aos fortes picos de lactado decorrentes da luta, invariavelmente diminuem a performance do atleta, e segundo CHMURA e colaboradores (1994), o tempo de reação, e de escolha passam a ser maiores, fazendo com que o atleta demore um pouco mais para decidir sobre qual atitude é melhor para a ocasião, e um pouco mais para executar esta atitude. Acontece que nos esportes de luta esta demora pode ser a diferença entre uma vitória e uma derrota.
Musculação e flexibilidade
Existem informações erradas e muito difundidas no meio da luta de que a prática de musculação diminui a flexibilidade, a mobilidade articular e a velocidade dos golpes.
Na verdade o que acontece a esse respeito é o seguinte: o corpo humano funciona entre outras considerações pelo chamado princípio da conservação funcional. Este princípio diz que o corpo se valerá de todos os artifícios possíveis para manter seu bom funcionamento.
Com o intuito de realizarem um treino mais “específico”, vários atletas mal orientados trabalham muito forte os agonistas envolvidos em um determinado movimento (o quadríceps femoral em um chute frontal por exemplo), e não dão atenção aos antagonistas deste mesmo movimento não os considerando importante, gerando um grande desequilíbrio de força entre agonistas e antagonistas envolvidos no movimento.
Desta forma, na hora de se desferir o golpe, com o intuito de preservar a articulação, o corpo humano através de sua propiocepção manda uma mensagem ao SNC que diz mais ou menos o seguinte: “o músculo agonista está muito forte e a articulação não suportará tamanha força; mande então o músculo antagonista frenar o movimento para que não ocorra prejuízo funcional para a articulação”.
Este mesmo fato ocorre em relação a músculos estabilizadores pouco trabalhados, como, por exemplo, músculos abdominais e/ou para-vertebrais fracos. O SNC simplesmente não permite que potência seja gerada em um movimento para que a articulação em questão não se lesione.
Diande disto os mal informados concluem erroneamente que a musculação prejudica a performance, quando na verdade o que prejudica a performance é a forma errada como a musculação é praticada.
Conclusão
A preparação física para atletas de luta é um trabalho sério que deve ser sempre acompanhado por um professor de educação física preferencialmente conhecedor do esporte em questão, podendo vir a ser norteado por uma equipe multidisciplinar, colocando-se à priori o treino técnico-tático desenvolvido por um bom sensei ou mestre de arte marcial.
Porém os tabus e as informações erradas devem cair, e o único jeito disto acontecer é através de pesquisas e debates dentro da comunidade interessada no crescimento do esporte e das atividades físicas em prol da construção de uma sociedade melhor.
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